EM tempos frequentei a Faculdade de Direito. Fui a uma aula e desisti. Mudei de curso. Fui para História. Isto para dizer que, desde sempre, sou mais de histórias do que de leis.
Por não ser insensível à propaganda e aos factos, sempre tive em grande consideração técnica o denominado gabinete jurídico do FC Porto, ainda que me fossem e sejam estranhas, e até adversas à minha formação escolar, as competências próprias do manejar dos códigos, dos regulamentos e, naturalmente, das leis.
Nesta última semana, o super-gabinete jurídico do FC Porto sofreu dois contratempos surpreendentes.
O primeiro: Paulo Assunção, jogador do clube com uma preponderância notável no rendimento da equipa, rescindiu unilateralmente com o clube invocando a Lei Webster (… mais uma lei que não conheço nem quero que me seja apresentada) e prepara-se para seguir com a vida noutras paragens.
O segundo: como consequência do famoso gabinete jurídico não ter recorrido, no prazo legal, da decisão da Liga de Clubes que condenou o clube por «tentativa de corrupção», aceitando o castigo e, obviamente, a culpa, a UEFA decidiu, ontem, afastar o FC Porto da participação na edição de 2008/2009 da Liga dos Campeões.
O caso de Paulo Assunção é surpreendente porque, olhando para as últimas duas décadas de história do futebol português, não parece um caso do FC Porto, clube que se orgulhava de estimar os seus activos como nenhum outro e que, repetidas vezes, acolheu no seu seio afectuoso um número importante de jogadores fugidos dos clubes rivais, nomeadamente do Benfica.
O caso da decisão da UEFA é menos surpreendente.
O organismo que superintende o futebol europeu tem vindo, ciclicamente, a fazer purgas de grande impacto mediático, castigando com mão dura emblemas pequenos, médios e grandes. É uma necessidade de sobrevivência da credibilidade da instituição.
A UEFA é uma organização poderosa, faz circular milhões e dirige um negócio frequentemente mal-afamado. E com toda a tranquilidade e frieza, da sua sede em Nyon, não tem medo de, quando a oportunidade surge, cortar umas cabeças para não destruir o jogo de modo a constituir-se como exemplo de seriedade e transparência.
Em Portugal passa-se exactamente o contrário.
Sempre que houve suspeitas — do caso do árbitro Francisco Silva, o prontamente enterrado Penafielgate até aos nossos dias —, a ordem foi para salvar as cabeças. E, assim, se foi destruindo o jogo ao ponto de, hoje, ninguém o levar muito a sério, independentemente de continuar a movimentar as inevitáveis paixões e as complacentes cegueiras.
Dentro deste contexto, difícil de desmentir, tombou como uma verdadeira anormalidade a decisão da Comissão Disciplinar da Liga de Clubes, punindo o FC Porto e o Boavista por práticas de viciação de resultados.
Sempre obedecendo ao ditame de salvar cabeças, foram muitas as vozes autorizadas (no sentido em que nunca foram proibidas de se expressar) e responsáveis (no sentido em que detêm responsabilidades) que desmereceram a importância pedagógica da decisão da CD da Liga — … pois que se lixe o Boavista, não é? — e logo se encarreiraram num elogio sentido à superior sagacidade e inteligência com que o presidente do FC Porto reagiu à indecente e injustificada balela dos seis pontos de penalização.
O próprio presidente do FC Porto, para quem tudo a nível interno foi sempre fácil demais, se deixou encantar pela situação enquanto o supergabinete jurídico do FC Porto dormia. Não recorrendo, o castigo era aplicado na época em que ocorreu a decisão e, assim sendo, o FC Porto em vez de ganhar o campeonato com 72 pontos de avanço, ganhava-o apenas com 66 pontos à maior sobre os seus ridículos adversários.
Desconhecendo, no que diz respeito a casos de corrupção, o regulamento da UEFA que proíbe a participação nas suas provas «na época seguinte à condenação» a clubes sancionados pelos órgãos disciplinares das respectivas federações ou ligas, o supergabinete jurídico do FC Porto cometeu uma grossa asneira.
Vem agora em seu auxílio o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, como não podia deixar de acontecer porque há pouco tempo para salvar cabeças. De acordo com o Diário de Notícias, o CJ da FPF «notificou o FC Porto para apensar o processo do clube ao de Pinto da Costa», o que permitirá ao clube «recorrer da sanção desportiva decidida pela Comissão de Disciplina da Liga» e explicar à UEFA que, afinal, «o processo não poderá ser dado por concluído».
E se não foi concluído o processo, não houve condenação e se não houve condenação a UEFA não pode decidir nada de nada. A menos que esteja a soldo do Benfica.
E era precisamente aqui que queria chegar. Ao Benfica. E também ao gabinete jurídico do Benfica que, à luz da propaganda e dos factos, nas últimas duas épocas nunca foi apontado como um modelo de competência e de sucesso.
Antes pelo contrário. Pelo dito gabinete terão em todos estes anos passado dezenas de advogados e juristas, unanimemente considerados mentecaptos em comparação com o brilho, o fulgor e a alta dimensão intelectual da organização liderada pelo grande timoneiro Pinto da Costa.
Nas últimas 48 horas tudo mudou. A culpa de a UEFA ter decidido banir o FC Porto por um ano das suas competições é… do Benfica. O Benfica, clube dos passarinhos, passou a estar dotado de uma máquina de juristas antipatrióticos, de pensadores antipatrióticos e de executores antipatrióticos. Todos juntos elaboraram um plano brilhante de maquiavelismo para humilhar o rival internacionalmente.
Não há que ter medo deste virar de página.
O gabinete jurídico do Benfica não deve responder a provocações e deve continuar a fazer o que, neste caso, sempre fez. Ou seja, nada.
Quanto ao presidente do Benfica deve apenas dizer que respeita todas as decisões que visem combater a corrupção no futebol.
Noutros tempos, passados ou futuros, talvez o presidente do Benfica devesse dizer mais alguma coisa.
Por exemplo: que o Benfica é tão grande, tão grande, que se recusa a participar na pré-eliminatória da Liga dos Campeões porque acima de tudo acredita no jogo dentro das quatro linhas e aí, nesse campo, na época que terminou, fomos tão desastrados, tão inaptos, tão péssimos como o ex-supergabinete jurídico do FC Porto o foi no decorrer desta crise.
Não há que ter medo.
PS - Pinto da Costa esteve ontem à noite no Jornal da Noite da SIC. Não esteve brilhante até porque Rodrigo Guedes de Carvalho e Clara de Sousa não se prestaram ao papel da docilidade. Fizeram perguntas, por exemplo. O que já é uma grande novidade. Ficámos a saber uma novidade. O FC Porto afinal não recorreu da decisão da Comissão Disciplinar da Liga por uma questão de estratégia. Basta passar as entrevistas e os discursos de Pinto da Costa nessa ocasião para vermos a dita estratégia, lá escondida e sem o rabo de fora. Ficámos a saber outra novidade: João Leal é o novo alvo a abater. Mas não há que ter medo.
in ABola (para assinantes)
Por não ser insensível à propaganda e aos factos, sempre tive em grande consideração técnica o denominado gabinete jurídico do FC Porto, ainda que me fossem e sejam estranhas, e até adversas à minha formação escolar, as competências próprias do manejar dos códigos, dos regulamentos e, naturalmente, das leis.
Nesta última semana, o super-gabinete jurídico do FC Porto sofreu dois contratempos surpreendentes.
O primeiro: Paulo Assunção, jogador do clube com uma preponderância notável no rendimento da equipa, rescindiu unilateralmente com o clube invocando a Lei Webster (… mais uma lei que não conheço nem quero que me seja apresentada) e prepara-se para seguir com a vida noutras paragens.
O segundo: como consequência do famoso gabinete jurídico não ter recorrido, no prazo legal, da decisão da Liga de Clubes que condenou o clube por «tentativa de corrupção», aceitando o castigo e, obviamente, a culpa, a UEFA decidiu, ontem, afastar o FC Porto da participação na edição de 2008/2009 da Liga dos Campeões.
O caso de Paulo Assunção é surpreendente porque, olhando para as últimas duas décadas de história do futebol português, não parece um caso do FC Porto, clube que se orgulhava de estimar os seus activos como nenhum outro e que, repetidas vezes, acolheu no seu seio afectuoso um número importante de jogadores fugidos dos clubes rivais, nomeadamente do Benfica.
O caso da decisão da UEFA é menos surpreendente.
O organismo que superintende o futebol europeu tem vindo, ciclicamente, a fazer purgas de grande impacto mediático, castigando com mão dura emblemas pequenos, médios e grandes. É uma necessidade de sobrevivência da credibilidade da instituição.
A UEFA é uma organização poderosa, faz circular milhões e dirige um negócio frequentemente mal-afamado. E com toda a tranquilidade e frieza, da sua sede em Nyon, não tem medo de, quando a oportunidade surge, cortar umas cabeças para não destruir o jogo de modo a constituir-se como exemplo de seriedade e transparência.
Em Portugal passa-se exactamente o contrário.
Sempre que houve suspeitas — do caso do árbitro Francisco Silva, o prontamente enterrado Penafielgate até aos nossos dias —, a ordem foi para salvar as cabeças. E, assim, se foi destruindo o jogo ao ponto de, hoje, ninguém o levar muito a sério, independentemente de continuar a movimentar as inevitáveis paixões e as complacentes cegueiras.
Dentro deste contexto, difícil de desmentir, tombou como uma verdadeira anormalidade a decisão da Comissão Disciplinar da Liga de Clubes, punindo o FC Porto e o Boavista por práticas de viciação de resultados.
Sempre obedecendo ao ditame de salvar cabeças, foram muitas as vozes autorizadas (no sentido em que nunca foram proibidas de se expressar) e responsáveis (no sentido em que detêm responsabilidades) que desmereceram a importância pedagógica da decisão da CD da Liga — … pois que se lixe o Boavista, não é? — e logo se encarreiraram num elogio sentido à superior sagacidade e inteligência com que o presidente do FC Porto reagiu à indecente e injustificada balela dos seis pontos de penalização.
O próprio presidente do FC Porto, para quem tudo a nível interno foi sempre fácil demais, se deixou encantar pela situação enquanto o supergabinete jurídico do FC Porto dormia. Não recorrendo, o castigo era aplicado na época em que ocorreu a decisão e, assim sendo, o FC Porto em vez de ganhar o campeonato com 72 pontos de avanço, ganhava-o apenas com 66 pontos à maior sobre os seus ridículos adversários.
Desconhecendo, no que diz respeito a casos de corrupção, o regulamento da UEFA que proíbe a participação nas suas provas «na época seguinte à condenação» a clubes sancionados pelos órgãos disciplinares das respectivas federações ou ligas, o supergabinete jurídico do FC Porto cometeu uma grossa asneira.
Vem agora em seu auxílio o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, como não podia deixar de acontecer porque há pouco tempo para salvar cabeças. De acordo com o Diário de Notícias, o CJ da FPF «notificou o FC Porto para apensar o processo do clube ao de Pinto da Costa», o que permitirá ao clube «recorrer da sanção desportiva decidida pela Comissão de Disciplina da Liga» e explicar à UEFA que, afinal, «o processo não poderá ser dado por concluído».
E se não foi concluído o processo, não houve condenação e se não houve condenação a UEFA não pode decidir nada de nada. A menos que esteja a soldo do Benfica.
E era precisamente aqui que queria chegar. Ao Benfica. E também ao gabinete jurídico do Benfica que, à luz da propaganda e dos factos, nas últimas duas épocas nunca foi apontado como um modelo de competência e de sucesso.
Antes pelo contrário. Pelo dito gabinete terão em todos estes anos passado dezenas de advogados e juristas, unanimemente considerados mentecaptos em comparação com o brilho, o fulgor e a alta dimensão intelectual da organização liderada pelo grande timoneiro Pinto da Costa.
Nas últimas 48 horas tudo mudou. A culpa de a UEFA ter decidido banir o FC Porto por um ano das suas competições é… do Benfica. O Benfica, clube dos passarinhos, passou a estar dotado de uma máquina de juristas antipatrióticos, de pensadores antipatrióticos e de executores antipatrióticos. Todos juntos elaboraram um plano brilhante de maquiavelismo para humilhar o rival internacionalmente.
Não há que ter medo deste virar de página.
O gabinete jurídico do Benfica não deve responder a provocações e deve continuar a fazer o que, neste caso, sempre fez. Ou seja, nada.
Quanto ao presidente do Benfica deve apenas dizer que respeita todas as decisões que visem combater a corrupção no futebol.
Noutros tempos, passados ou futuros, talvez o presidente do Benfica devesse dizer mais alguma coisa.
Por exemplo: que o Benfica é tão grande, tão grande, que se recusa a participar na pré-eliminatória da Liga dos Campeões porque acima de tudo acredita no jogo dentro das quatro linhas e aí, nesse campo, na época que terminou, fomos tão desastrados, tão inaptos, tão péssimos como o ex-supergabinete jurídico do FC Porto o foi no decorrer desta crise.
Não há que ter medo.
PS - Pinto da Costa esteve ontem à noite no Jornal da Noite da SIC. Não esteve brilhante até porque Rodrigo Guedes de Carvalho e Clara de Sousa não se prestaram ao papel da docilidade. Fizeram perguntas, por exemplo. O que já é uma grande novidade. Ficámos a saber uma novidade. O FC Porto afinal não recorreu da decisão da Comissão Disciplinar da Liga por uma questão de estratégia. Basta passar as entrevistas e os discursos de Pinto da Costa nessa ocasião para vermos a dita estratégia, lá escondida e sem o rabo de fora. Ficámos a saber outra novidade: João Leal é o novo alvo a abater. Mas não há que ter medo.
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1 comentário:
Corruptos Activos: porcos
Corruptos Passivos: osgas
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