Por Ricardo Araújo Pereira (in ABola 08-03-2009)
A generalidade das pessoas sabe que, em tribunal, é proibido fazer acusações falsas. Um juiz conselheiro jubilado sabe-o melhor ainda. É por isso que o testemunho do juiz António Mortágua, no âmbito do chamado Caso do Envelope, é gravíssimo. O problema é que, no futebol português, tudo o que é gravíssimo acaba por ser arquivado.
Vamos por partes. O juiz António Mortágua, quando depunha em tribunal na qualidade de testemunha arrolada pela defesa de Pinto da Costa, disse que 2500 euros era um valor ridiculamente baixo para a tabela de preços que se praticava na altura em que Pinto da Costa é acusado de ter oferecido quantia igual a um árbitro. A declaração foi proferida em tom divertido. Foi nessa altura que o procurador, imbuído do espanto que tomaria qualquer pessoa decente, perguntou se então sempre era verdade que havia pagamentos a árbitros — e a boa disposição do juiz acabou. Segundo os jornais, gerou-se um silêncio confrangedor. E Mortágua foi forçado a confirmar: realmente havia corrupção na arbitragem, e ele até sabia de um caso de suborno ao árbitro de um Feirense-Beira-Mar.
António Mortágua entrou no tribunal com o objectivo de ilibar o amigo e fazer pouco dos acusadores, e saiu da sala com a certeza de que tinha conseguido exactamente o contrário: o testemunho do juiz provou que a história do envelope não é uma fantasia inventada por uma ex-mulher ressentida e de fraca credibilidade mas uma hipótese, pelos vistos, bastante verosímil, e demonstrou que Pinto da Costa convoca para sua defesa gente que tem conhecimento de casos de corrupção na arbitragem e não os denuncia nem condena. Há dias em que um juiz conselheiro jubilado não devia sair de casa.
Talvez seja bom lembrar que António Mortágua exercia, na altura dos factos relatados, o cargo de presidente do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol. Quantas iniciativas tomou ele para punir os culpados pelo pior delito que se pode cometer no mundo do futebol, delito esse que ele conhece suficientemente bem para relatar numa sala de tribunal? Zero. Exactamente, amigo leitor, aquele número que vem imediatamente antes do um. O presidente do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol tinha conhecimento de que havia árbitros corruptos e sabia de cor a tabela de preços pelos quais eles habitualmente se deixavam corromper. É possível que a palavra justiça tenha significados que me escapam.
Mai nada RAP, na muche!
Sem comentários:
Enviar um comentário