Por Ricardo Araújo Pereira (in ABola)
QUANDO o, digamos, jornalista António Tavares-Teles foi apanhado numa das mais edificantes escutas do processo Apito Dourado, temi pelo futuro profissional do, digamos, jornalista António Tavares-Teles. Depois, li que o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas concluiu que o, digamos, jornalista Tavares-Teles tinha infringido «objectivamente o n.º 1 do Código Deontológico (…) que obriga a relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade», e ofendera a deontologia profissional — e cheguei a pensar que o, digamos, jornalista Tavares-Teles não voltaria a escrever nos jornais. Só depois me lembrei de um facto importante: vivemos em Portugal, e aqui tudo é possível.
O caso explica-se depressa: o, digamos, jornalista Tavares-Teles escrevia uma coluna chamada O Pato no jornal O Jogo. Certo dia, o bem informado Pato sugeriu que Deco abandonaria a Selecção se fosse injustamente castigado pelo acto corriqueiro e inofensivo de ter atirado uma bota a um árbitro. A escuta da conversa telefónica entre o, digamos, jornalista Tavares-Teles e Pinto da Costa era precisamente sobre esse texto. Cito o jornal Correio da Manhã de 24 de Julho de 2007: «Pelo que se pode ler da transcrição da referida escuta telefónica percebe-se (…) que, além de ter sido combinado, o teor do texto era falso, já que, conforme assumiu Pinto da Costa noutra conversa telefónica, servia apenas como forma de pressão e de chantagem para com os elementos do Conselho Disciplinar da Liga de Clubes». Cito agora alguns dos momentos mais notáveis da escuta:
Tavares-Teles: (…): Olha pá, eu já escrevi aquela história do Deco (…). O Manuel Tavares [director de O Jogo] estava a querer pôr aquilo em grande destaque, pá!
Pinto da Costa: Não, não! Tem mais impacto aí.
Como se não fosse suficientemente habilitado como dirigente, o presidente do Porto ainda revela talento para o jornalismo, e é capaz de definir o lugar em que os textos devem sair para terem mais impacto. A escuta prossegue com a legítima preocupação do, digamos, jornalista Tavares-Teles: quando Deco fosse confrontado com uma intenção que nunca manifestara, como reagiria? Vale a pena ler o diálogo entre dois grandes senhores da comunicação social:
Tavares-Teles: O gajo não é maluco o suficiente para dizer que não, que não é nada, que é tudo mentira?
Pinto da Costa: Não! Eu falo com o Antero e ele avisa!
É interessante referir a escolha vocabular do, digamos, jornalista Tavares-Teles, para quem aquele que opta por dizer a verdade é, e cito, um «maluco».
Quando a escuta foi publicada o, digamos, jornalista Tavares-Teles esbracejou, ameaçou processar o mundo inteiro, e depois não processou ninguém e foi esbracejar para casa. Foi o melhor que fez: livrou-se de mais vergonhas e continua a escrever nos jornais — o que constitui, creio eu, um excelente negócio para os jornais: os textos de opinião são caros, mas os ditados não devem ser especialmente dispendiosos.
Ontem, o professor Carlos Queiroz talvez tenha pretendido surpreender os suecos, mas julgo que acabou por embasbacar os portugueses. Nenhum indígena estaria à espera que o lateral-esquerdo fosse um extremo, que o trinco e o lateral-direito fossem centrais, e que o ponta-de-lança fosse um médio ofensivo. Os bons treinadores surpreendem o adversário; os excelentes surpreendem a própria equipa.
Sobre o jogo, há que dizer duas coisas. Primeiro, foi um excelente resultado: da última vez que jogámos contra onze jogadores vestidos de azul e amarelo levámos seis. Aqui está um progresso que se saúda. Segundo, a arbitragem foi isenta, o que constitui um escândalo: é raríssimo haver um jogo no Dragão em que a equipa da casa não é beneficiada. É lamentável que a FIFA não respeite tradições ancestrais.
De resto, tudo correu bem. Durante a partida, os comentadores da TVI exibiram aquele chauvinismo a que os jornalistas estão obrigados durante os jogos da Selecção. Destaco a observação segundo a qual os suecos se tinham apresentado com uma formação demasiado defensiva. Enfim, nem todos os treinadores podem ter o arrojo do professor Queiroz, que passou a maior parte do jogo com quatro centrais em campo.
Ontem, Filipe Soares Franco afirmou que «o Benfica não pode continuar a agredir o presidente do Sporting», na medida em que isso deteriora as relações entre os clubes. Concordo apenas em parte: pode minar as relações agora, mas melhora-as a longo prazo. Recordo que, em Outubro de 2003, Soares Franco fez insinuações desagradáveis relativamente à relação de Pinto da Costa com os árbitros e disse que «o Papa estava a morrer». Pinto da Costa respondeu que Franco era indigno e prometeu que nunca mais o cumprimentaria. Hoje, são unha com carne. Está visto que, dentro de seis anos, Benfica e Sporting serão grandes amigos.
2 comentários:
RAP, arrasador como sempre.
Agora, eu não sabia dessa "estória" do sr. Tavares-Teles. Fiquei bastante esclarecido...
É sempre bom não esquecer estes registos. São fundamentais para fazer a história do SISTEMA.
É que há tanta gente a querer branqueá-lo...
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