Por : Leonor Pinhão (in Abola 16.04.2009)
OS benfiquistas que gostam de política não se cansam de discutir a condenação a 20 meses de prisão com pena suspensa do árbitro do jogo Machico-Sacavenense, a contar para o campeonato da III Divisão. Uns dizem que se jogássemos, nós, o Benfica, na III Divisão, com decisões destas dos Tribunais ninguém nos agarrava. Outros garantem que tudo se deve à juíza do Tribunal de Santa Cruz, no Funchal, Susana Mão de Ferro, que mais não fez do que fazer justiça ao nome com que foi baptizada.
Já os benfiquistas que se interessam só por futebol — tema menor nos dias que correm — não se cansam de discutir a questão da continuidade (ou não) de Quique Flores na próxima temporada na Luz. Uns acham bem, outros acham mal. Ou seja, a discussão nada tem de empolgante por mais que se empolguem no esgrimir dos argumentos os apologistas de Quique e os anti-Quique primários.
Há que encontrar um meio termo e rapidamente. É no meio que reside a virtude.
Sou da opinião que Quique Flores (ou qualquer outro) deve ficar. Mas em part-time… A pressão em torno de um treinador do Benfica a tempo inteiro é um factor de desestabilização do próprio treinador, as perguntas constantes dos jornalistas, as deslocações diárias até ao Seixal, tudo isto é subúrbio a mais e não ajuda a manter um ambiente de serenidade, de confiança e de liderança.
Também o facto de Quique habitar em Lisboa no mesmo edifício onde habita o primeiro-ministro do país também é um indício do surrealismo que nos sufoca. Onde é que se viu no mesmo país, as duas pessoas mais importantes do dito país partilharem o mesmo elevador?
Posto isto, e perante dois exemplos fulgurantes do futebol europeu de top contemporâneo, talvez não fosse má ideia deixar ficar Quique mais um ano no Benfica. Mas só meio Quique…
Tomemos por primeiro exemplo o Chelsea da época de 2008/2009… O holandês Gus Hiddink acaba de apurar o Chelsea para as meia-finais da Liga dos Campeões. Trata-se de um treinador reputado, com currículo e que se apresenta em Londres às terças, quartas, quintas e sábados para dirigir o Chelsea, e que se apresenta em Moscovo aos domingos, segundas e sextas para dirigir a selecção russa. Está a fazer grandioso sucesso nos dois part-times.
Tomemos por segundo exemplo o E. Amadora e o V. Setúbal de um passado recente. Foi Faquirá quem lançou, na Reboleira, Fernando, e Cissokho, nos sadinos, hoje titulares indiscutíveis do FC Porto. Em declarações recentes à imprensa, Daúto revelou não só a sua satisfação pessoal com o bom caminho que os seus pupilos tomaram como também revelou o seu surpreendente duplo estatuto de trabalhador: «Sinto orgulho por os ter lançado. Nos relatórios que fazia para o FC Porto, no tempo do Estrela, sempre escrevi que o Fernando tinha todas as qualidades para singrar ao mais alto nível», disse ao Record. Ora se Faquirá quando era treinador do Estrela fazia relatórios para o FC Porto estamos perante mais um caso de dois part-times.
Ora é de isto mesmo que o Benfica precisa. Não concordam?
Grandes espectáculos os dos quartos-de-finais da Liga dos Campeões. Treze golos no confronto entre o Liverpool e o Chelsea! No entanto, o recorde de golos numa única eliminatória continua a pertencer ao Sporting e ao Bayern, com 13 tentos. Não fosse o golo de João Moutinho em Munique e havia um empate estatístico quase impossível de bater. Muito bem esteve também o FC Porto frente ao Manchester United, soçobrando apenas e por causa de um golo português, o do incrível Cristiano Ronaldo, ontem, no Dragão.
PS: Não foi por distracção, muito menos por tolhimento, que, na última quinta-feira, não esclareci os leitores de A BOLA sobre a veracidade do pedaço em que a mim directamente se referia Miguel Sousa Tavares na sua crónica da penúltima terça-feira neste mesmo jornal. Não é fácil dar a explicação para a ausência de resposta porque ao fazê-lo terei, inevitavelmente, de revelar alguns aspectos da minha índole e só isso já é — e de que maneira — contra a minha índole. Não li o que Miguel Sousa Tavares escreveu porque nunca leio. A não ser que me obriguem razões profissionais ou outras, como foi a do presente caso e só alguns dias depois e ao cabo de muita insistência. Gosto muito de futebol e de ver futebol, gosto do jogo naqueles 90 minutos. Quanto ao demais, até as flash-interviews dispenso. Não assisto a programas televisivos de debates sobre futebol, não leio opiniões de adeptos famosos, nem os do meu clube, quanto mais os outros. Leio, é verdade, o Ricardo Araújo Pereira todos os domingos, mas não é por ele ser do Benfica. É porque tem talento. Entendam que esta atitude não é presunção sobre nada nem sobre ninguém. A todos respeito, bem como às suas opiniões. Simplesmente não comungo dessa necessidade tribal de saber o que dizem, o que pensam, o que falam, o que escrevem. O que acaba por se me revelar de certa forma útil visto que, persistindo anti-social, dificilmente poderei ser acusada de dizer o mesmo, de pensar o mesmo ou de escrever o mesmo que outros já pensaram, disseram ou escreveram. Não julguem, no entanto, que é a busca da originalidade que me motiva. Não, trata-se apenas de feitio. Não é da minha índole o afã curricular por manter polémicas com técnicos de ideias gerais. Teria, portanto, Miguel Sousa Tavares dito uma grande verdade se me acusasse de autismo nestas coisas do futebol e até noutras, isto se soubesse de quem estava a falar, o que deve ser princípio observado por qualquer tribuno em qualquer século. Por exemplo, o filósofo muçulmano Ibne Caldune, uma das luzes do já tão distante mas tão esclarecido reino do Andaluz, escreveu no século XII um tratado sobre Filosofia da História e demorou-se a alertar para os vícios que podem condenar a objectividade dessa «disciplina» visto que «a mentira se introduz naturalmente nos relatos históricos» por força de «causas» que enunciou e que passo a citar: «Se ficamos prisioneiros do espírito favorável a uma seita, aceitamos sem hesitação a versão que nos convém dos factos» e «outra causa é a tendência que os homens têm em geral para ganhar o favor dos personagens poderosos, embelezando-lhe os factos que depois propagam sendo que estes relatos manchados de falsidade recebem grande publicidade». Ora se, há quase mil anos, um mouro ibérico atingiu esta clareza, custa admitir que o mundo pouco evoluiu quando os seus mais publicitados cronistas do presente tratam da versão dos factos como «mais lhes convém». Na penúltima terça-feira, lamentavelmente para ele, Miguel Sousa Tavares publicitou duas grandes mentiras resguardando-se, para evitar dolos da posteridade, na fonte onde as bebeu (…as mentiras, obviamente). Cá estão elas: que «nunca foi desmentido» um encontro num «hotel», apadrinhado pela Polícia Judiciária, entre Luís Filipe Vieira, Carolina Salgado, alguns agentes da PJ e eu própria, na qualidade de centro de mesa. Não é a primeira vez que Sousa Tavares publicita este facto que bebeu de terceiros e que tanto lhe conviria que fosse verdade, ainda que nunca tenha ocorrido e já tenha sido desmentido. Voltando ao século XII, o clarividente mouro Ibne Caldune alertou para este problema da «confiança na palavra» dos tais terceiros: «Para reconhecer se estas pessoas são dignas de fé é necessário recorrer a um exame» porque há «chefes que inclinam as pessoas a obedecer-lhe e a servir os seus interesses, fazendo-lhes dádivas de dinheiro, depois oferta daquilo que têm precisão, como objectos de primeira necessidade, ou pela coacção semeando, se necessário, a discórdia entre as pessoas». A nove séculos de distância é evidente que hoje nada tem a ver com esta preocupação da boa História. Mas, por absurdo, não deixa de dar que pensar numa situação corrente: a investigação do Ministério Público, em pleno século XXI, às circunstâncias em que foi produzido o depoimento de Ana Maria Salgado, tal como era ontem notícia no site do Portugal Diário e da TVI/24: «Pinto da Costa foi inquirido no Porto pela magistrada encarregue de investigar as circunstâncias em que Ana Maria Salgado prestou um depoimento favorável ao líder portista no DIAP do Porto, em Junho de 2007 (…) Confirmou a entrega de mil euros em duas tranches destinados aos filhos de Ana Maria Salgado, alegando a consideração que por ela tinha.» Francamente, como se fosse possível uma coisa destas. Mais uma cabala. Longe vai o tempo em que os chefes «inclinavam» as pessoas — enfim, o mexilhão — a contar histórias que os engrandecessem e que fossem repetidas pelos seus reputados arautos. Quanto ao facto (indesmentível) do post-scriptum ser maior do que o texto trata-se apenas de mais uma originalidade anti-social."
Embrulha MST, seu andrade.
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