Por Ricardo Araújo Pereira ( in ABola).
«À mulher de César», disse César referindo-se a si mesmo na terceira pessoa, à semelhança de Jardel, «não lhe basta ser séria. Também deve parecer séria.» Felizmente, no futebol português, não é preciso ser nem parecer nada. Quando, no final do Trofense-Benfica, Hélder Barbosa disse que estava «feliz por ter ajudado o Porto», estranhei. Barbosa, recordo, é jogador do Trofense. É certo que está na Trofa por empréstimo do Porto, mas está inscrito como jogador do Trofense, joga no Trofense e, em princípio, deve ajudar o Trofense. Se está no Trofense para ajudar o Porto, isso significa que, em cada jornada, o Porto entra em campo com mais do que os onze jogadores que compõem a sua equipa — o que, ao que parece, é proibido.
Pronto, disseram os meus amigos. Lá vem o exagero. Que mal tem a felicidade do rapaz por ter ajudado o clube a que está ligado contratualmente? Em tempos de crise, há que agradar ao patrão. Se contribuir para o êxito do Porto, pode ser que regresse ao clube em Junho, no final da época. E foi então que se realizou o Porto-Setúbal para a Taça da Liga. Primeiro, Bruno Vale, o guarda-redes do Setúbal (que já foi internacional A), deixou escapar uma bola fácil directamente para a cabeça do avançado do Porto, que fez o 1-0. Já disse que Bruno Vale é jogador do Porto e joga no Setúbal por empréstimo? Esqueci-me. Fica a informação. Depois, a cinco minutos do fim, com o resultado em 2-1 para o Porto, o árbitro assinala um penalty a favor do Setúbal. Para marcar, foi chamado o jogador que no ano passado se chamava Leandro Lima e tinha 20 anos, e que este ano se chama George Lima e tem 23. A única informação fidedigna de que dispomos sobre o jogador em causa é que está no Setúbal por empréstimo de outro clube. Qual? Deixem-me só consultar os meus apontamentos, que eu não posso saber tudo. Cá está: surpreendentemente, é o Porto. O leitor não adivinhava nem que estivesse dois anos a tentar, pois não? Ora bem, o jovem (ou já mais ou menos experiente) jogador chamado Leandro (ou George) foi marcar o penalty e, por azar, chutou ligeiramente por cima da barra. Refiro-me à barra que suporta as luzes do estádio, junto à cúpula. A bola também passou por cima da barra da baliza e, se houvesse um prédio de sete andares erigido sobre a linha de golo, é provável que passasse igualmente por cima dele, sem tocar nas antenas.
Nesse momento, os meus amigos telefonaram-me. «Eu não sabia que a crise estava assim tão má», disse um. «Esqueci-me da abertura do mercado. É possível voltar ao Porto já em Janeiro», disse outro. A mulher de César não durava cinco minutos no futebol português.
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